Plano Nacional das Artes
POEMÁRIO
AMANTES DA LINGUA DE CAMÕES
Um poema por dia…
MANUEL ALEGRE
Nasceu a 12 de maio de 1936, em Águeda. Estudou Direito na Universidade de Coimbra, onde foi um ativo dirigente estudantil e fundou o CITAC – Centro de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra, membro do TEUC – Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra, campeão nacional de natação e atleta internacional da Associação Académica de Coimbra.
Aos microfones da emissora «A Voz da Liberdade», a sua voz converte-se num símbolo de resistência e liberdade.
Em maio de 2016, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou: "Portugal também foi grande e é grande porque Manuel Alegre é português".
A sua obra goza de reconhecimento nacional e internacional, tendo recebido múltiplos e importantes prémios literários.
«Portugal em Paris» - Cláudio Silva (10.º B)
Solitário
por entre a gente eu vi o meu país.
Era um perfil
de sal
e abril.
Era um puro país azul e proletário.
Anónimo passava. E era Portugal
que passava por entre a gente e solitário
nas ruas de Paris.
Vi minha pátria derramada
na Gare de Austerlitz. Eram cestos
e cestos pelo chão. Pedaços
do meu país.
Braços.
Minha pátria sem nada
sem nada
despejada nas ruas de Paris.
E o trigo?
E o mar?
Foi a terra que não te quis
Solitário por entre a gente caminhei contigo
Éramos cem duzentos mil?
E caminhávamos. Braços e mãos para alugar
meu Portugal nas ruas de Paris.
GILBERTO MENDONÇA TELES
Nasceu em Bela Vista de Goiás, no dia 30 de junho de 1931.
É um poeta e crítico literário brasileiro, conhecido pela sua produção poética e pelos estudos sobre o Modernismo e a vanguarda na poesia.
«Língua», Ângela Santos & Rafael Andrade (10.º B)
Esta língua é como um elástico
que espicharam pelo mundo.
No início era tensa,
de tão clássica.
Com o tempo, se foi amaciando,
foi-se tornando romântica,
incorporando os termos nativos
e amolecendo nas folhas de bananeira
as expressões mais sisudas.
Um elástico que já não se pode
mais trocar, de tão gasto;
nem se arrebenta mais, de tão forte.
Um elástico assim como é a vida
que nunca volta ao ponto de partida.
VASCO GRAÇA MOURA
Personagem polifacetada da vida cultural portuguesa, tendo nascido na Foz do Douro, a 3 de janeiro de 1942, e falecido em Lisboa, no dia 27 de abril de 2014).
Poeta, romancista, ensaísta, tradutor, foi secretário de Estado de dois Governos provisórios, desempenhou funções diretivas na RTP, na Imprensa Nacional e na Comissão para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses.
Em 1999, foi eleito deputado ao Parlamento Europeu.
Considerado por muitos um dos maiores, se não o maior, poeta português contemporâneo.
Autor de uma vastíssima obra poética, ensaística e ficcional e um nobilíssimo tradutor e divulgador das literaturas clássicas.
«Lamento para a Língua Portuguesa» – Maria Flor Costa & Inês Amaral (10.º B)
não és mais do que as outras, mas és nossa,
e crescemos em ti. nem se imagina
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, mera aspirina,
mas é o teu país que te destroça,
e a sua condição te contamina
e no seu dia-a-dia te assassina.
mostras por ti o que lhe vais fazer:
(…)
mais valia que fossem de outra sorte
em cada um a força da vontade
e tão filosofais melancolias
nessa escusada busca da verdade,
e que a ti nos prendesse melhor grade.
(…)
matam-te a casa, a escola, a profissão,
a técnica, a ciência, a propaganda,
de estranhas novidades, a ciranda
de violência alvar que não abranda
entre rádios, jornais, televisão.
e toda a gente o diz, (…)
eu acredito
que te fizeram avaria grossa.
não rodarás nas rotas como dantes,
quer murmures, escrevas, fales, cantes,
mas apesar de tudo ainda és nossa, (…)
Vasco Graça Moura, in «Antologia dos Sessenta Anos»
OLAVO BILAC
Jornalista e poeta brasileiro, membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Nasceu no dia 16 de dezembro de 1865, tendo falecido no dia 28 de dezembro de 1918, no Brasil.
«Língua Portuguesa», Edgar Vilas-Boas (10.º B)
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela
Amo-te assim, desconhecida e obscura
Tuba de algo clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O génio sem ventura e o amor sem brilho!
Olavo Bilac, in «Poesias»
JOSÉ RÉGIO
Um escritor único da História da Literatura Portuguesa, impondo-se como o principal mentor do movimento presencista. do na linguagem comum, no que será um dos casos raros na nossa história literária.
Deixou-nos uma obra que se estende pelos vários meios da expressão literária, indo da poesia, do romance, da novela e do conto, ao teatro, ao ensaio e à crítica, passando pela obra íntima.
«Fado Português» – Mariana Ferreira (10.º B)
O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.
Ai, que lindeza tamanha,
meu chão, meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.
Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
dar-me no mar sepultura.
Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro veleiro
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.
José Régio, in «Poemas de Deus e do Diabo»
MIGUEL TORGA
Pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha.
Nasceu a 12 de agosto de 1907, em São Martinho de Anta, Vila Real, e faleceu a 17 de janeiro de 1995, em Coimbra.
Médico, colaborou na Revista «Presença» e foi diretor das Revistas «Sinal e Manifesto», tendo sido galardoado com o Prémio Luís de Camões, em 1989.
«Camões», Leonardo Santos (10.º B)
Nem tenho versos, cedro desmedido,
Da pequena floresta portuguesa!
Nem tenho versos, de tão comovido
Que fico a olhar de longe tal grandeza.
Quem te pode cantar, depois do Canto
Que deste à pátria, que to não merece?
O sol da inspiração que acendo e que levanto,
Chega aos teus pés e como que arrefece.
Chamar-te génio é justo, mas é pouco.
Chamar-te herói, é dar-te um só poder.
Poeta dum império que era louco,
Foste louco a cantar e a louco a combater.
Sirva, pois, de poema este respeito
Que te devo e professo,
Única nau do sonho insatisfeito
Que não teve regresso!
In «Poemas Ibéricos», 1965.
CAETANO VELOSO
Músico, produtor e escritor brasileiro que nasceu no dia 7 de agosto de 1942.
Um dos artistas brasileiros mais influentes desde a década de 1960, considerado o "aedo pós-moderno", e uma das mais polémicas.
É uma das figuras mais importantes da música popular brasileira e um dos melhores compositores do século XX.
«Língua», Iago Lourenço (10.º A)
Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há - de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
“Minha pátria é minha língua”
(...) O que quer
O que pode esta língua?
(...)
Adoro nomes
Nomes em ã
De coisas como rã e ímã
Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé
e Maria da Fé
(...)
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta, prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
(...)
Nós canto-falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem.