1. A filosofia é difícil.
É falso que se fale da filosofia como uma disciplina difícil. Ela é tão difícil quanto outra disciplina qualquer. Há, certamente, disciplinas mais difíceis e outras mais fáceis. A dificuldade não ocupa um lugar de destaque mais na filosofia do que na física, biologia ou na matemática.
2. A filosofia não serve para nada.
Bem, isto só seria verdade se nos mentissem acerca da filosofia. Questionar sobre a utilidade da filosofia possui exatamente o mesmo sentido do que questionar acerca da utilidade da matemática, da física, química ou biologia. A filosofia tem exatamente a mesma utilidade que qualquer outra disciplina, só que a natureza dos seus problemas é diferente e exige metodologias específicas. Perguntar pela utilidade da filosofia é perguntar pela utilidade do saber em geral e a resposta não deve ser colocada somente aos profissionais da filosofia, mas também aos dos outros saberes. Curiosamente, o mundo não seria o que é se os saberes não possuíssem uma utilidade.
3. Em filosofia nunca se chega a conclusões.
É falso pensar que em filosofia nunca se chega a conclusões. Se assim fosse também o poderíamos dizer em relação às ciências. O que nós conhecemos das ciências são os resultados destas, porque as grandes questões das ciências ainda andam em investigação, tal qual as grandes questões da(s) filosofia(s). A diferença é que ao passo que as ciências pode recorrer à experimentação a filosofia não pode, dada a natureza dos seus problemas que não são resolvidos empiricamente.
4. A filosofia é um saber abstrato que não tem nada a ver com a vida.
Pelo contrário, a filosofia é talvez o saber que mais diretamente se relaciona com a nossa vida prática e quotidiana; daí, por vezes, se fazer a confusão ao pensar-se que qualquer pessoa está a fazer filosofia ao questionar-se sobre um ou outro problema. Os problemas da filosofia surgem porque a vida humana os levanta. Para isso existem muitos ramos do saber a fim de os estudar. A filosofia é um desses ramos.
5. Todos somos filósofos.
É falso. Não é qualquer pessoa que é filósofa, apesar de qualquer pessoa ser perfeitamente capaz de levantar problemas filosóficos a um nível intuitivo. De igual modo, também as crianças fazem muitas questões científicas e isso não faz delas cientistas. De que é feita a lua? Porque é que nunca apanho o arco íris, etc.…. Podemos igualmente perguntar se Deus existe ou não, se o livre arbítrio faz ou não sentido, sobre o sentido moral do aborto, sobre o que é o tempo e a sua relação com o espaço, etc.…., mas daí não decorre que sejamos filósofos. A filosofia faz-se e investiga-se nas mais avançadas universidades do mundo e possui altos níveis de sofisticação. Ser um filósofo profissional, implica publicar ensaios nas revistas da especialidade e contribuir de modo decisivo para o progresso e avanço da filosofia. E isso não está ao alcance de todos e exige um trabalho disciplinado e árduo. Mas daí não decorre problema algum. Também na matemática, sabemos muita matemática a um nível intuitivo e nem por isso somos matemáticos. Depende do nível de sofisticação que queremos alcançar. E os grandes investigadores precisam muito dos bons divulgadores, como é o caso dos bons professores.
6. Em filosofia tudo é subjetivo.
Esta é uma outra ideia falsa que aparece muitas vezes em relação à filosofia. Pensa-se que a filosofia não é nada mais do que um grupo de gente ‘tola’, cada um a dar a sua opinião sobre um assunto qualquer. Mas a defesa da subjetividade é autorefutante em termos racionais. Se eu defender que a filosofia é subjetiva, o meu leitor pode defender que não, que é objetiva. Terei de aceitar a posição do meu leitor precisamente porque a posição do leitor é, para mim, subjetiva. E entramos num círculo racionalmente insustentável. Por outro lado, se a filosofia é subjetiva, então, qual a razão da discussão racional? Nada haveria a discutir dado que a verdade não passaria de algo muito subjetivo. Toda a discussão possível não passaria de uma mera e modesta troca de opiniões. Mas nesse caso não existiria qualquer progresso no saber e cultura humana. Não devemos esquecer que as grandes teorias matemáticas e científicas ainda estão por resolver, precisamente porque, tal como na filosofia, não existe progresso sem problemas e razões que apontem conclusões para esses problemas.
7. A filosofia é algo que se faz quando se tem muito dinheiro e nada para fazer.
Muita gente famosa parodiou este lado da filosofia, associando-a ao ócio que é precisamente o contrário do negócio (negar o ócio). Apesar da filosofia não constituir para a maior parte das pessoas uma necessidade vital, como é dormir, comer e beber ou respirar, a verdade é que ela se faz por necessidade de compreensão do mundo. A maior parte dos grandes filósofos pensaram sem grandes condições para o fazer. A riqueza material não tem necessariamente de andar associada à filosofia. É natural que se faça e publique mais filosofia onde há mais dinheiro, mas isso somente porque alguém pode viver da filosofia, pode ser pago para investigar e pensar determinado problema filosófico. Mas, novamente, esta é uma realidade que também se aplica a qualquer ramo do saber ou a toda a ciência. Não são as culturas material e culturalmente pobres que produzem e têm acesso à investigação. De modo que supor que a filosofia se faz quando não se tem mais nada para fazer e se tem muito dinheiro, é falso.
8. Não é preciso ensinar filosofia nas escolas.
Para mostrar o quanto esta afirmação é falsa, prefiro apresentar alguns exemplos. Uma boa parte dos países ocidentais até nem têm filosofia no ensino secundário como formação geral e obrigatória, como existe em Portugal. Mas têm o chamado critical thinkink que é uma área muito próxima dos modelos mais específicos da filosofia. Por outro lado esses países vêm garantido o sucesso da filosofia no ensino superior uma vez que possuem uma cultura mais sólida que permite que as pessoas vão de encontro ao saber e à filosofia. Há um interesse e sucesso quase natural pela filosofia, especialmente após a segunda metade do século XX e livros de filosofia ganham quase todos os anos importantes prémios. Só se consegue ter ideias ‘tolas’ como esta e a de que a filosofia não serve para nada, numa sociedade ignorante que não reconhece o valor intrínseco da educação. Olhar para a filosofia e afirmar que ela não serve para nada, é de uma ignorância tão tola que faz lembrar aquela pergunta: o que faz um burro a olhar para um palácio? Mas os seres humanos, muito mais que os burros, podem ser educados a olhar para palácios. Esta ideia pode existir e existe em alguns países, inclusive em Portugal, com relativa disseminação pública. Lembro-me de quando estudava filosofia, o fulano do banco onde tinha a conta aberta para a mesada, me perguntar com frequência para que servia o que eu andava a estudar. Estou convencido que tal acontece porque, em larga medida, o ensino superior é de má qualidade e os alunos saem das universidades muito mal (in)formados. Uma vez saídos da universidade sem nunca terem compreendido as ideias centrais de Platão, Descartes ou Kant, o que é a filosofia da mente ou a filosofia da arte, sem leituras feitas e organizadas, este é o caminho mais certo para termos uma má divulgação da filosofia, misturando-a muitas vezes com as nossas percepções mais subjetivas, como astrologia, magia, poesia, etc.….
9. Em filosofia tem de se ler muito e escrever muito.
É evidente que para se saber filosofia temos de saber os argumentos dos filósofos. Imagine que vai ter com os amigos ao café e começa uma conversa sobre a justiça na distribuição da riqueza. Imagine ainda o leitor que na mesma mesa estão sentadas mais 4 pessoas além de si. Imagine agora também que começaria a debater argumentos sobre o tema não querendo saber das posições das outras 4 pessoas e ainda por cima afirmava que X e Y defendem a posição A, mesmo sem ter perguntado a X e Y que posições defendem. Uma das consequências mais prováveis é que o leitor poderia partir do princípio que:
a) As suas posições são a verdade absoluta sobre o problema da justiça na distribuição da riqueza.
b) Poderia o leitor estar a pensar que estava a ser muito original, quando X defende a mesma posição mas até com melhores argumentos.
Seria esta uma situação desejável? Mas vamos mais longe. Imagine que a conversa era sobre o cosmos e que o leitor estava a defender o geocentrismo por pura ignorância. Sem querer saber do que X e Y pensam e conhecem acerca do assunto, o leitor nunca descobriria uma verdade elementar: que está completamente errado, uma vez que o geocentrismo já foi refutado há muitos séculos atrás. A mesma coisa sucede na filosofia, como sucede em qualquer outro saber ou ciência. Para discutir os problemas filosóficos de um modo profissional, temos de entrar em discussão com os argumentos dos filósofos e é por essa razão que precisamos de ler o que Platão ou Descartes pensaram acerca do problema, quais os argumentos apresentados. A prova de fogo pela qual o aprendiz de filósofo tem de passar é exatamente a mesma que qualquer cientista tem de passar. Tem de sujeitar os seus «insights» à crítica dos seus pares. Um charlatão não passa esta prova de fogo e está condenado a escrever os seus argumentos sem pés nem cabeça no jornal da terra. Neste contexto, o texto escrito e lido é obviamente um dos recursos fundamentais dos filósofos, apesar de não o único. Alguns filósofos conseguiram apresentar argumentos revolucionários e nem por isso escreveram muito. Wittgenstein é só um entre centenas de exemplos. Outros escreveram muito e nem por essa razão conseguiram ser autores centrais para a filosofia.
10. Em filosofia tem de se ser muito profundo.
Em filosofia não tem de se ser mais profundo do que em matemática ou química. Em primeiro lugar deve-se privilegiar a clareza que nem sempre coincide com facilidade, dependendo do estudo que se realize. Obviamente se estamos a falar de filosofia como eu estou a falar neste texto, não se exige profundidade alguma. Exige-se clareza e rigor. A ideia da profundidade em ciência e filosofia, diz respeito à sofisticação dos problemas em análise. Se estamos numa área como a Lógica Modal, envolvendo a discussão de conceitos como possibilidade e necessidade, o mais provável é que a discussão não seja muito acessível a quem não possui qualquer preparação em filosofia. A mesma questão é atribuível a uma qualquer investigação em física ou química. Mas, regra geral, estas teorias mais profundas podem ser expostas a um nível mais intuitivo. E porque é que existe esta necessidade de explicar aos mais leigos os problemas mais sofisticados? Por uma razão muito simples. Somos seres limitados no tempo e um dia alguém vai ter de continuar os nossos estudos, desenvolvendo-os e possibilitando novas descobertas, por isso temos de ensinar aquilo que sabemos ou condenamos o saber à sua morte. Depois porque um filósofo só descobre as fragilidades das razões que oferece em favor das suas teses se um outro o puder estudar e refutar.