O grupo de teatro “Os Serafins” apresentou, no dia 23 de abril, o seu espetáculo no Festival de Teatro de S. João da Madeira, este ano na sua décima edição. A peça dos nossos “Serafins” chamava-se “Lado a lado” e foi reposta ainda em duas outras sessões, no dia 7 de maio.
A composição e a destruição da palavra “intolerância”, feita logo a abrir, pelas letras exibidas por um grupo de atores, deixava os espetadores a saber ao que vinham. A cena inicial sugere a existência de dois mundos: o dos bafejados pela sorte e o dos outros, daqueles para quem ficam apenas as sobras e, às vezes, nem isso Além disso, a separação desses “mundos” era cenograficamente representada por uma estrutura física, uma espécie de gradeamento, ou de muro, desses que estão agora muito em voga por esse planeta fora. Mas os muros, por mais altos que sejam, são sempre ultrapassáveis, mesmo quando apenas existem na cabeça das pessoas. Entre momentos de antagonismo e de apaziguamento, as personagens foram estabelecendo elos de ligação, construindo sonhos comuns, acabando por quebrar as barreiras que os separavam.
Para quem acompanha, há muitos anos, o trabalho da encenadora e autora, a colega Lurdes Gual, esta terá sido a peça mais dissonante das restantes: as peças anteriores, não obstante a carga simbólica que sempre as acompanhava, apoiavam-se muito mais em enredos com maior ou menor carga dramática. “Lado a lado” é uma peça que se baseia mais no simbolismo do que no enredo e, por isso, os efeitos visuais e as coreografias ganham uma nova dimensão, a do envolvimento do público na interpretação das mensagens. Por outro lado, o recurso ao audiovisual permitiu reforçar esse predomínio da mensagem sobre o enredo, facto que ficou bem patente na prolepse de quarenta anos que separa os dois grandes momentos da peça, marcada por uma belíssima coreografia da “dança das horas”, ou pelo “voo” da bailarina que dá asas ao seu sonho, alterando a geometria da fita que a sustentava.
Quanto aos atores, “Os Serafins” apresentaram este ano outra novidade: depois de, no ano passado, terem incorporado docentes e assistentes da escola, este ano a novidade veio dos mais novos: um grupo de alunos dos 5º e 6º anos de escolaridade, levando muito a sério esta diferente faceta da sua aprendizagem. O corpo do grupo continuou a assentar em alunos do Secundário, muitos deles transitando do elenco do ano transato, o que se notou bem na solidez da representação. "Os Serafins", bem como os restantes grupos de teatro escolares, tem que ir realizando sempre essa espécie de “milagre da ressurreição”, que consiste em reconstruir os grupos a cada ano letivo que passa. Se a renovação pode representar um estímulo, naquilo que ela contém de desafio e de novidade, não é menos verdade que o trabalho de incorporar, todos os anos, novos elementos, ao mesmo tempo que se perdem alguns do ano anterior, torna a tarefa de toda a equipa cénica muito mais complicada. Este ano, a aposta em talentos “seguros”, na dança e no canto, a par do notável acerto da generalidade dos atores, do excelente ritmo da peça, da muito bem conseguida inserção de momentos cómicos, resultou num agradável momento de reflexão e divertimento. “Monet oblectando” – instruir, divertindo - é um dos lemas do teatro, cujas premissas estiveram lado a lado nesta peça.
A Casa da Criatividade esgotou duas vezes e ficou quase cheia na tarde de sábado, sendo que este espetáculo revertia a favor de uma causa solidária, coerente com o próprio conteúdo da peça. Desta vez, todos tiveram oportunidade de ver o trabalho dos “Serafins”, que, numa hora de palco, conseguiram condensar as centenas de horas de trabalho que lhe serviram de suporte. Mais do que dar os merecidos parabéns à encenadora, aos atores e a toda a vasta à equipa de apoio, importa insuflar-lhes mais uma dose de ânimo e de coragem, para que nos possam voltar a surpreender no próximo ano. Até p’ró ano "Serafins"!
Celestino Pinheiro
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