No passado dia 14 de Março de 2012 realizou-se uma palestra no Centro Multidisciplinar Interativo da Escola Secundária Serafim Leite, organizada pela Professora de Filosofia Stella Azevedo, cujo tema foi "Bioética em Ambiente Hospitalar".
Para começar, é de salientar que a bioética é um dos campos mais emergentes e dinâmicos da reflexão filosófica atual. Apesar de pouco mais de três décadas de existência, a rapidez da sua expansão e do seu desenvolvimento fez com que assumisse uma influência direta, progressiva e irreversível em vários campos, nomeadamente na medicina. A sociedade globalizada e pluralista em que nos inserimos, o grande desenvolvimento da medicina, a morte instrumentalizada nos hospitais e a influência dos aspetos económicos e legais nas decisões médicas foram os grandes responsáveis para que isso ocorresse. Como consequência, a aplicação dos conceitos bioéticos na prática clínica criou um novo e emergente campo do conhecimento, a Bioética Clínica. Trata-se de uma expansão da Bioética Aplicada, que visa estabelecer uma aliança entre o conhecimento científico médico e o humanístico, com um campo de atuação bastante amplo. Estuda desde os problemas inerentes ao início e ao final da vida, a reprodução humana, os dilemas individuais dos profissionais de saúde frente a situações polémicas, as pesquisas em seres humanos, até às complexas decisões de saúde pública enfrentadas em conjunto com legisladores e cidadãos.
Com a finalidade de tratar estes temas, a nossa comunidade escolar recebeu o Enfermeiro Nuno Soares como convidado de grande importância devido à sua vasta experiência – atualmente trabalha no Hospital S. João (Porto), na área da oncologia pediátrica.
A apresentação do Enfermeiro Nuno Soares era composta por vários parâmetros, tais como:
• Introdução à Bioética;
• Como surgiu a Bioética;
• O porquê da Bioética ter surgido;
• Direitos Humanos Fundamentais, salientando que não se aplicam a todos os países;
• Os princípios da Bioética;
• Limites a alguns dos princípios de carácter atrás referido;
• Apresentação de alguns casos clínicos bastante diferentes seguidos de reflexões;
A proposta desta palestra foi, então, apresentar uma metodologia bioética objetiva e uniforme de abordagem de problemas clínicos bastante complexos e promover o pensamento dos presentes nesta palestra, com um tema de grande interesse para o futuro de cada um de nós.
Este relatório é constituído por uma breve descrição acerca dos acontecimentos que me marcaram mais no decorrer da palestra e por uma reflexão final acerca destes assuntos tão atuais e de grande importância.
Com o iniciar da palestra, o enfermeiro Nuno Soares revelou-nos o que é, afinal, a Bioética: "É o estudo transdisciplinar entre Biologia, Medicina, Filosofia (Ética) e Direito (Biodireito), que investiga as condições necessárias para uma administração responsável da vida humana, animal e responsabilidade ambiental. Considera, portanto, questões onde não existe consenso moral como por exemplo a fertilização in vitro, o aborto, a clonagem, a eutanásia, os transgénicos e as pesquisas com células estaminais, bem como a responsabilidade moral de cientistas nas suas pesquisas e nas suas aplicações."
Assim, conseguimos chegar à conclusão que a Bioética se baseia numa questão: "O que será melhor/pior para os seres vivos?". Foi fácil de entender que, baseada nesta questão, a Bioética confronta-se com vários dilemas. Como chegar às melhores decisões? A resposta é: refletindo.
Quanto ao contexto histórico-temporal e consequente razão do desenvolvimento e consolidação da Bioética, ficamos a saber, através do Enfermeiro, que foi "após a tragédia do holocausto da Segunda Guerra Mundial, quando o mundo ocidental, chocado com as práticas abusivas de médicos nazistas em nome da ciência, cria um código para limitar os estudos relacionados. Formula-se aí, também, a ideia que a ciência não é mais importante que o homem. O progresso técnico deve ser controlado para acompanhar a consciência da humanidade sobre os efeitos que eles podem ter no mundo e na sociedade para que as novas descobertas e suas aplicações não fiquem sujeitas a todo tipo de interesse."
Os Direitos Humanos são fundamentais nos processos envolventes da Bioética. Assim, tendo como princípio que os Direitos Humanos não se aplicam em todos os países, os que o Enfermeiro Nuno enaltece são: a dignidade – qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de caráter degradante e desumano, como venham garantir-lhe as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover a sua participação ativa e responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos –, a liberdade – direito a estar livre de limitações ou coação, sempre que se tratar de agir de maneira lícita, de acordo com princípios éticos e legais dentro da nossa sociedade –, a igualdade – inexistência de desvios ou incoerências sob determinado ponto de vista, entre dois ou mais elementos comparados, sejam objetos, indivíduos, ideias, conceitos ou quaisquer coisas que permitam que seja feita uma comparação –, a cidadania – direito de intervenção na direção dos negócios públicos do Estado, participando de modo direto ou indireto na formação do governo e na sua administração – e a justiça – principio básico de um acordo que objetiva manter a ordem social através da preservação dos direitos na sua forma legal (constitucionalidade das leis) ou na sua aplicação a casos específicos da sociedade (litígio).
É de salientar que todos estes direitos têm que estar em sintonia pois, nos processos da Bioética, nenhum apresenta maior relevância sobre o outro, logo, são necessárias reflexões profundas relacionadas com cada um deles.
A questão que se seguiu foi dedicada aos princípios da Bioética, que são inúmeros. O mais importante foi criado pelo denominado "pai da Medicina" – Hipócrates (Cós, 460 – Tessália, 377 a.C.): "(...) Usarei o tratamento para o bem dos enfermes, segundo a minha capacidade e juízo, mas nunca para fazer o mal e a injustiça (...)". Deste modo, este é o princípio considerado como uma base da Bioética.
Joaquim Clotet, Genival Veloso de França e John Stuart Mill também contribuíram para a formulação de princípios muito importantes onde a Bioética é baseada. O Enfermeiro Nuno destacou os seguintes: Beneficência, não maleficência, autonomia e equidade/igualdade.
Além de os destacar, explicou, ainda, alguns dos limites ou inferências na qualidade da autonomia, dando-nos a conhecer a importância da relação médico/paciente pois, este último, tem direito aos serviços médicos. Assim, cabe ao médico esclarecer o doente, lutando sempre pelo melhor do paciente, ou seja, pelo seu bem-estar.
Após todo este caminho percorrido, o enfermeiro passou à apresentação dos casos.
O primeiro caso era centrado à volta de um jovem com dezasseis anos – proveniente de uma família de origem Jeová – que sofria de anemia. Assim sendo, precisava, urgentemente, de uma transfusão sanguínea. Como a sua família, como já referi anteriormente, era de origem Jeová, os pais não permitiam a realização da tão necessitada transfusão sanguínea.
O enfermeiro sugeriu que os espetadores participassem e partilhassem as suas opiniões e pontos de vista, argumentando. As opiniões foram unânimes: a morte do paciente deveria ser evitada, realizando a transfusão sanguínea, com ou sem o consentimento dos pais.
Para rematar este caso, o enfermeiro acrescentou que em casos deste género, a decisão final é discutida em ambiente de tribunal, pois a comunidade hospitalar age sempre com o objetivo de procurar o bem-estar dos pacientes.
O segundo caso, um pouco diferente, centrou-se numa criança de sexo feminino, de 10 meses, que foi levada pela mãe ao hospital e os médicos confrontaram-se com várias fraturas antigas na criança. Assim, concluíram que a criança sofreu maus tratos desta vez e, provavelmente, em situações anteriores. Quando confrontada pelos médicos, a mãe revela-se bastante surpreendida, mas explica que a criança estava sozinha em casa com o seu companheiro (que não era o pai da criança) e que o mesmo fica muito violento quando ingere bebidas alcoólicas.
Se no primeiro caso as opiniões foram unânimes, neste caso isso não aconteceu. Pelo contrário, as opiniões ficaram bastante divididas. Alguns sugeriram que a mãe escondia que o companheiro era o culpado, encobrindo-o e sabendo da verdade. Por outro lado, outros defendiam que a mãe da criança não sabia a verdade e que, se foi o seu companheiro que violentou a criança, então a mãe devia separar-se e afastar-se do tal companheiro.
O enfermeiro informou-nos que este tipo de caso é muito frequente e, ao mesmo tempo, muito delicado, o que implica muita reflexão. Isto porque em situações idênticas as crianças já não são entregues aos pais, ficando, posteriormente, em orfanatos e outros.
O terceiro caso foi sobre uma mulher de idade trinta e oito – casada há dois anos –, que engravidou, mas sem planeamento prévio. Então, a gestação não foi aceita pelas duas partes envolvidas na gravidez.
Quando a mulher foi sujeita a uma amniocentese fica a saber que a criança possuía Síndrome de Down. Perante esta situação, o casal concorda em que esta deve abortar.
Relativamente a este caso, as opiniões ainda foram mais divergentes. Assim, enquanto uns concordavam que se devia fazer o aborto na tentativa de a criança não vir, na sua vida futura, a sofrer com a antiga decisão dos pais, outros defenderam que é um ser vivo que se estaria a formar no ventre daquela mulher, logo, tinha direito à vida como qualquer outra pessoa.
Se pensarmos bem, todos viemos ao mundo, saudáveis ou não, mas viemos e estamos cá. A qualquer momento podemos sofrer um acidente e ficar com uma deficiência qualquer. Mas, vamos matar cada pessoa que tiver sofrer um acidente e adquirir uma deficiência? É que todo este caso é uma questão de tempo, porque podemos nascer e crescer saudáveis, mas a qualquer momento isso pode mudar e não é por isso que se 'manda matar' alguém!
O quarto e último caso girou à volta de um paciente de sexo masculino de 74 anos, que tinha um carcinoma brônquico avançado. Não lhe restava qualquer hipótese de voltar a ter uma vida "normal". Tendo em consideração este último facto, o paciente sugeriu, por iniciativa própria, a eutanásia. Existem duas opiniões contraditórias no meio desta situação, que são as seguintes: o filho do senhor não concorda com a sugestão do seu pai, mas a sua esposa concorda. Por que razão a senhora concordaria com a aplicação da eutanásia ao seu marido? Seria por querer acabar com o sofrimento pelo qual estava a passar? Será que é legítimo recorrer à eutanásia, como se desistisse da grande luta que é a vida? Mais uma vez as opiniões dos presentes foram bastante diferentes.
Por fim, o Enfermeiro salientou que estes casos são muito frequentes no quotidiano da vida humana, requerendo a interação de muitos e variados fatores e, também, requerendo uma vasta teia de reflexões.
Como pudemos corroborar com a participação nesta palestra, as questões da Bioética apresentam-se muitas vezes sob a forma de tensões entre deveres contraditórios ou aparentemente contraditórios. Isto é, considero que não existem para estas questões, respostas únicas.
Assim, a bioética não é, de modo nenhum, uma metafísica. É, sim, uma disciplina pragmática. Tomemos um exemplo referido no livro "Bioética" de Jean Bernard, que se baseia numa descoberta. Ou seja, uma descoberta pode trazer felicidade, salvando vidas, por exemplo. No entanto, pode também inspirar aplicações perigosas.
Sendo assim, qual é o papel da Bioética? A Bioética esforça-se por permitir os benefícios e limitar os perigos. Todos os dias confrontamo-nos com progressos na Medicina. Mas, quais são as consequências desses progressos? Claro que o primeiro a fazer é tentar encontrar soluções simples. Assim, parece muito natural confiar ao médico, ao doente ou à família do doente, a uns e a outros, a responsabilidade das decisões. Mas estas soluções não se revelariam pouco satisfatórias? É que convém salientar que as pessoas envolvidas podem estar, mesmo no sentido nobre do termo, demasiado interessadas para serem imparciais. Pois bem, este foi o ponto de partida para a origem e desenvolvimento, sob formas diversas, os comités de Ética. Então, após muitas reflexões, afirmaram-se os princípios que governam atualmente a ética da Biologia e da Medicina.
Hoje em dia, por um lado, censura-se ao médico a sua insuficiência: "É verdade que curais a tuberculose, a sífilis, as septicemias, mas afinal, deixas-nos morrer. Mais um esforço da vossa parte e seríamos imortais." (exemplo retirado do livro "Bioética" de Jean Bernard). Isto é, nunca nenhum médico consegue tornar-nos imortais, logo não é suficiente.
Por outro lado, censura-se ao médico a sua suficiência, ou seja, falamos, agora, do poder que o médico possui, que é o que lhe é dado pela sociedade.
Na minha opinião, a solução dos graves problemas éticos que evocamos não deve ser unicamente confiada ao médico, pois, muito para além da medicina, esses problemas dizem respeito ao conjunto da sociedade humana. É claro que o médico deve ser um conselheiro útil, mas nada mais do que isso. Renunciando ao médico, dou prioridade ao doente, ou seja, coloco-o no primeiro plano - um doente muito preocupado com os métodos da investigação clínica e com as suas consequências, quer em relação aos progressos no diagnóstico, quer em relação aos progressos terapêuticos. Alguns juristas e legisladores negligenciam as consequências da doença, a profunda mudança que provoca no comportamento, na aptidão para julgar e medir uma situação.
Nada de mais absurdo do que a oposição muitas vezes assinalada entre a mentira total e a verdade bruscamente revelada. O que quero transmitir é que, na minha opinião, um médico, com uma longa experiência, pode observar que a verdade deve ser dita, pois o médico que não diz a verdade toma para si uma pesada responsabilidade. Além disso, um médico também pode vir a ter a noção que cada pessoa é um caso particular e, deste modo, deve esforça-se, em cada caso, por conhecer o ser que lhe é confiado, agindo da melhor maneira. Penso que nenhum médico deve esquecer que algumas pessoas não desejam a verdade e recusam-se, por vezes, a compreendê-la quando ela é dita. Assim, o médico poderá dizer essa verdade de uma só vez, como pode preparar a sua revelação, ou seja, anunciá-la gradualmente ao longo de uma série de conversas. Com isto, defendo que cabe ao médico descobrir e utilizar o melhor método para transmitir a verdade ao paciente. Por exemplo, o ensaio de novas terapêuticas ou até mesmo a decisão de proceder com um determinado tratamento ou não, como aconteceu com certos casos apresentados no decorrer da palestra, colocam-nos questões novas, ignoradas pelos nossos predecessores. Ao analisarmos, nesses mesmos casos, as diversas situações criadas pelas hipóteses comparadas, examinamos as condições sob as quais pode ser obtido o consentimento esclarecido, isto é, a aprovação do doente informado, tão cara aos legisladores.
Num bom número de casos, o consentimento esclarecido do doente, face a um tratamento que lhe seja proposto, é viável. Noutros casos, não pode ser obtido, quer em virtude da idade do doente, quer em virtude da gravidade da doença e do receio legítimo de agravar o seu estado através do pedido brutal do consentimento.
Nos casos em que o consentimento do doente não pode ser obtido, dizem os nossos bons peritos que o médico deve expor a situação à família do doente e pedir-lhe o seu consentimento esclarecido, que o paciente não pode conceder. Essa solução, segundo a minha pesquisa, é muitas vezes satisfatória, por isso concordo com ela. Assim sendo, estabelece-se uma estreita e eficaz cooperação entre o médico e a família do doente. Mas, claro, nem sempre. O professor Robert Debré dizia "A medicina infantil seria mais fácil se não existissem pais". E quando se trata de adultos? Mesmo quando se trata de adultos, as preocupações financeiras podem vir para primeiro plano e orientar a atitude dos parentes próximos do doente.
Depois de tudo isto, eu pergunto-me: Quais são os princípios que orientam a ética da medicina?
Convém referir que por muito pragmática que a disciplina de Bioética seja, a reflexão desenvolvida pelos diversos comités de ética reconheceu o valor de alguns princípios que orientam as suas investigações: o respeito pela pessoa, o respeito pelo conhecimento, a recusa do lucro e o sentido de responsabilidade dos investigadores.
É claro que existem algumas variações ao nível da interpretação destes quatro fundamentais princípios, logo algumas dificuldades são inevitáveis.
Os progressos investigação científica propõem-nos, hoje, duas definições do Homem. A primeira definição é genética, remontando, atualmente, até ao genoma, pouco a pouco decifrado. Isto permite-me chegar a duas conclusões: desde que há homens e enquanto os houver (com exceção dos gémeos verdadeiros), nunca de encontraram, nem se encontrarão dois seres semelhantes. Assim, cada homem é único e insubstituível. A segunda definição é nervosa, ou seja, toma-se como princípio que a morte do indivíduo é a morte do cérebro.
Uma pessoa é uma individualidade biológica, um ser de relações psicossociais, um sujeito para os juristas. No entanto, uma pessoa transcende estas definições analíticas, manifestando-se como um valor. Foi estabelecido um acordo em relação a uma tarefa precisa: refletir de maneira aprofundada sobre a dimensão moral da investigação médica, de modo a que os seus progressos respeitem a totalidade dos homens e do humano.
Anteriormente, referi "morte cerebral", que é muito diferente de estado vegetativo crónico – advém, por vezes, depois de uma doença, mas, mais frequentemente, depois de um grave craniano, segundo as minhas pesquisas. Após este acontecimento, desaparecem funções muito importantes do cérebro, mas outras funções persistem. Subsiste, senão a consciência, pelo menos uma certa vigilância.
Na minha opinião, não é legítimo utilizar estes doentes como modelos experimentais. Aliás, acho isso condenável, pois o doente em estado vegetativo crónico continua a ser uma pessoa, mesmo que as suas funções cerebrais estejam parcialmente alteradas, e como tal deve ser respeitado. Assim, sou da opinião de que só devem ser autorizadas as investigações que tenham como finalidade a melhoria do seu próprio estado, ou seja, o restabelecimento da sua vida relacional.
Devo sublinhar que acho que a vida não começa com o nascimento, mas com a conceção: o ovo humano acabado de formar, o ovo resultante da fecundação do óvulo pelo espermatozoide, que contém o ser completo que futuramente virá a ser.
Desta maneira, considero que a pessoa está presente no embrião desde o momento da sua conceção. No entanto, tenho a noção de que as funções essenciais, como a consciência e a inteligência, não se realizam numa célula ou num pequeno número de células, mas supõe uma organização muito mais complexa e surgem mais tardiamente. É por estes motivos que afirmo que não sou a favor do aborto! Os órgãos, os tecidos e as células do homem fazem parte do seu ser, da sua pessoa, comungam da sua dignidade. Devem, por isso, ser respeitados. Assim, sou da opinião que também não podem ser objeto de transações comerciais!
Quanto às investigações, penso que quando surge uma investigação de caráter muito agudo, que é simultaneamente muito prometedora e talvez perigosa, só alguns laboratórios, conduzidos por homens de ciência, que aliem a competência biológica ao rigor moral, é que devem ser autorizados a prossegui-la. Assim, o desenvolvimento da investigação e a aceitação de precauções permitirão a indispensável conciliação entre o respeito pela pessoa e o respeito pelo conhecimento.
Quando me referir a "homens da ciência", outrora conhecidos como sábios, quero dizer que são, hoje, mais modestamente, denominados por investigadores. Quanto à responsabilidade destes investigadores, podem surgir duas questões: serão os dados biológicos fundamentais suficientes? Devem continuar ou parar com os ensaios terapêuticos? Destas incertezas decorrem dois perigos: a investigação selvagem, que não tem em conta os imperativos morais, a investigação estagnada, que vê o seu desenvolvimento retardado por uma certa rigidez moral. Como limitar estes perigos? Criando comités de ética no interior dos próprios institutos de investigação, através da educação, da formação e da própria reflexão dos investigadores, conscientes das suas responsabilidades.
Outra grande questão de grandes e vastas reflexões, na Medicina, é a eutanásia. Desde há muito tempo que a eutanásia é motivo de uma grande agitação. Atualmente, eutanásia designa a ação deliberada de pôr fim à vida de um doente. A eutanásia passiva consiste no facto de um médico cessar as medidas terapêuticas que prolongariam a vida do paciente: quando interrompe a alimentação por meio de sonda de um doente mergulhado num coma irreversível, ou quando, para aliviar o sofrimento agudo de um doente em fase terminal, lhe administra terapêuticas destinadas a suprimir a dor, mas que podem encurtar-lhe a esperança de vida. Por outro lado, a eutanásia ativa tem como finalidade proporcionar a morte a um doente.
A legalização da eutanásia parece poder vir a ser, ao que tudo indica, extremamente 'perigosa', mesmo que a pessoa em causa exprima antecipadamente tal decisão, através de um ato bizarramente denominado testamento de vida. Os sentimentos podem mudar no decurso dos anos. Assim, a legalização da eutanásia pode vir a conduzir ao extermínio dos doentes mentais e das crianças malformadas, como aconteceu, segundo as minhas pesquisas, no período hitleriano. Pode também, quando se colocam problemas de heranças, facilitar diversas manobras da comédia burguesa. Tal como tem sido colocado nestes últimos anos, o problema da eutanásia é o exemplo acabado de um falso problema. Após algumas pesquisas, fiquei a saber que desde Hipócrates, o médico assume duas funções: retardar a morte e diminuir o sofrimento, tratando-se de regras fundamentais. Contudo, penso que o médico deve esforçar-se por conciliar estes dois deveres, esforçando-se, também, com todas as suas forças e utilizando todos os seus conhecimentos, a afastar o perigo mortal que ameaça o doente. Claro que não deverá prolongar, cruelmente, a vida de um idoso, torturando por horríveis sofrimentos imunes às medicamentações apaziguadoras. Por vezes, a decisão é penosa. Deste modo, espero que os progressos da Medicina, melhorando a eficácia dos medicamentos contra a dor, limitem futuramente a frequência destes tipos de casos dolorosos que acabei de referir.
Para finalizar, tenho a acrescentar que acho que um ensinamento contínuo da Bioética aos cidadãos é simultaneamente necessário e desejável, assim como a organização de palestras deste caráter tão construtivo aos elementos da nossa comunidade escolar, que promove a reflexão em vários assuntos com que nós, humanos, nos deparamos no nosso dia-a-dia.
Concluindo, a Ética da Medicina não pertence somente aos médicos. Ela pertence a todos os cidadãos. A todo o momento, qualquer um de nós pode ser confrontado com uma questão de vida ou de morte, com um problema de consciência que o toca no que tem de mais íntimo.
Penso que isto diz o suficiente da importância desse esforço de formação e de informação dos adolescentes, dos estudantes, dos membros de algumas profissões e, afinal, de todos os cidadãos. É sempre difícil prever o futuro, mas podemos legitimamente pensar que os comités, já referidos no meu trabalho, são úteis, mas não serão eternos. Isto é, são ainda necessários por algum tempo, talvez dezenas de anos, para que os princípios e os conceitos da Bioética sejam apreendidos e compreendidos por todos. A Bioética evolui em consonância com os constantes progressos da ciência. Os métodos de informação não cessarão também de evoluir. E, terceira evolução, também a formação e os conhecimentos dos cidadãos se modificarão nessa perspetiva evolutiva. As difíceis questões, que examinamos na palestra, renovar-se-ão e serão propostas outras soluções. Agora, a questão é "Poderemos ter esperança nos progressos do saber graças às reflexões ligadas à Bioética?" Parece-me ser uma esperança legítima.
Webgrafia consultada
http://www.jvascbr.com.br/03-02-03/simposio/03-02-03-275.pdf
http://pt.scribd.com/doc/11985208/Modelo-de-Relatorio
http://www.webartigos.com/artigos/bioetica-e-psicologia-hospitalar/35182/
http://www.hottopos.com/notand9/dalton.htm
http://www.bioetica.ufrgs.br/comitatm.htm