Constituição da República Portuguesa - Artigo n.º 74 – Ensino “1. Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso ao êxito escolar.
Artigo n.º 75 – Ensino público, particular e cooperativo “1. O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população.”
Quando somos confrontados com a realidade das escolas públicas portuguesas, é evidente uma contradição sistemática na “bíblia do Estado”, entre o que está, constitucionalmente, proclamado e o que se vive, diariamente, nas salas de aula, nos corredores, nos horários de trabalho e nas condições de vida dos profissionais da educação, assim como na vida dos alunos.
Tendo em conta o tamanho da crise atual, no setor educativo, que é também passada e antepassada, desde a crise na educação (1976), não nos deixemos iludir pela descida da taxa de analfabetização nacional da INE - era de se esperar movimentação civil, apesar de carenciar força e raiz radical para desgosto meu e passar um tanto como medíocre comparando com outros países, nomeadamente, do continente africano e América do Sul.
No que toca aos professores, será a greve de 11 de dezembro um atentado dos trabalhadores da função pública ao direito à educação de qualidade para os alunos? 
Uma crise quantificada: o que dizem os números oficiais
Para sair da retórica e entrar nas evidências, convém partir de alguns números que ilustram a dimensão do problema. Portugal tem vindo a enfrentar constrangimentos estruturais, no sistema educativo, que se traduzem em carências de recursos humanos (vale a pena relembrar que o trabalho dos funcionários escolares é tão importante quanto o dos professores licenciados), qualidade de ensino, envelhecimento do corpo docente e pressão orçamental.
O corpo docente apresenta um perfil etário elevado — a média de idades situa-se nos 50–51 anos, valor, substancialmente, acima da média da OCDE, sendo que a proporção de docentes com 50 ou mais anos aumentou, nos últimos anos, o que coloca um desafio às substituições e à renovação da carreira.
As colocações e concursos têm vindo a evidenciar insuficiência de profissionais em determinados grupos disciplinares e zonas pedagógicas. No início de 2024/2025, fizeram-se concursos extraordinários, para preencher vagas em zonas carenciadas. As notícias oficiais do Ministério e as coberturas noticiosas apontaram para vagas com elevada procura, mas também para centenas de faltas em disciplinas especializadas, o que se converte em turmas sem docente titular, em algumas áreas. A carga de trabalho, o salário desproporcional ao custo de vida, as despesas com deslocações e o aumento de subsídios de alimentação ofensivo não motivam quem acaba uma licenciatura a investir num mestrado na respetiva área pedagógica.
O investimento por aluno tem crescido em termos absolutos (valores em dólares ajustados e em euros), porém, encontra-se ainda insuficiente. A leitura, em relação ao total do orçamento público e à despesa por níveis, mostra escolhas políticas: Portugal aumentou, em determinados períodos, o montante por aluno, mas a percentagem da despesa pública destinada à educação permanece sujeita a flutuações e é inferior à exigência de um sistema plenamente universal e, qualitativamente, robusto. Afinal, quem investe percentagens absurdas em guerra não investe em educação com êxito. 
Dados do relatório “Education at a Glance” e da DGEEC mostram que o gasto por aluno situou-se em patamares próximos dos valores médios/diferentes da OCDE e que a fatia do orçamento público destinada à educação tem variado (ex.: 9,1% → 9,5% do orçamento público em determinado período analisado).
Relatórios europeus e nacionais assinalam carências especialmente graves em docentes de Educação Especial e em técnicos especializados — situação que compromete a inclusão e a resposta a necessidades específicas dos alunos. Várias escolas-cluster reportaram ter apenas um ou dois especialistas para dezenas de alunos com necessidades educativas especiais. Num país onde ainda existem professores de primeira e professores de segunda, onde docentes da Educação Especial são, muitas vezes, desvalorizados, os dados não devem surpreender.
Estes indicadores não são neutros: traduzem, nas estatísticas, aquilo que se vive nas escolas. A leitura numérica permite desmontar discursos simplistas que reduzem o problema a greves “prejudiciais” ou a insuficiências individuais dos professores.
Greves como resposta proporcional à degradação estrutural
Quando se debate o impacto das greves dos professores sobre o direito à educação, importa distinguir efeito imediato (aulas não dadas num dado período) de efeito estrutural (o que acontece quando nada é feito face à degradação continuada). Os dados mostram que muitos problemas que afetam a aprendizagem surgem fora dos momentos de greve: turmas sobredimensionadas, falta de especialistas, docentes esgotados e mudanças burocráticas frequentes têm impacto cumulativo sobre a qualidade do ensino.
As greves surgem, na prática, devido ao o descontentamento, depois de tentativas de negociação e de medidas menos disruptivas que não produziram alterações significativas. A existência de concursos extraordinários e portarias específicas para zonas carenciadas — instrumentos legislativos pensados para mitigar carências — evidencia que o problema é reconhecido, mas que as medidas não chegam para transformar a situação de base. 
Numa perspetiva pragmática — e olhando para o dado concreto —, greves prolongadas cumprem várias funções que protegem, a médio e longo prazo, o direito dos alunos: forçam a ação política (decisões orçamentais e concursos extraordinários costumam surgir quando a pressão torna insustentável o adiamento), defendem a qualidade pedagógica (interromper, temporariamente, a rotatividade e a precariedade pode evitar que os alunos sofram, durante anos, com a ausência de docentes qualificados; uma pressão prolongada exige ofertas concretas de contratação e condições estáveis) e protegem a inclusão (sem especialistas e técnicos, a inclusão é meramente declarativa). Movimentos fortes do corpo docente tendem a pôr a inclusão no topo das prioridades políticas quando a pressão é persistente.
É importante sublinhar que a discussão sobre greves não é uma apologia do conflito à mão armada como os ministros fazem parecer: trata-se de avaliar meios de luta à luz dos fins — assegurar um sistema público que cumpra o direito ao ensino, garanta igualdade de oportunidades reais e não seja inferior ao privado. 
Impactos concretos nas aprendizagens e nos percursos dos alunos
A literatura e a observação nacional apontam para efeitos distintos segundo o tipo de perturbação: as interrupções curtas e pontuais tendem a ter um impacto menor, se forem acompanhadas de ações compensatórias e se o sistema tiver capacidade de recuperação pedagógica; a degradação contínua sem resposta (anos com falta de professores, ausência de especialistas, turmas permanentemente sobrelotadas) conduz a perdas sistemáticas de qualidade que não se resolvem com “aulas de reposição”. 
A evidência aponta para que a verdadeira ameaça ao direito à educação é a normalização da precariedade e a tentativa de lucro sobre a mesma — aquilo que se torna quotidiano raramente motiva a intervenção pública até que a situação já seja grave. Greves longas, ao contrário, são, muitas vezes, o último recurso para prevenir esse retrocesso continuado, hábito que se tornou extinto em Portugal, mas a verdade é que, um dia, pouco ou nenhuma diferença faz. Ninguém muda o mundo num dia.
A leitura dos factos e dos números leva a uma conclusão clara: ao contrário do que os políticos de direita dizem e o que os políticos de esquerda implicitam, o problema fundamental não é a greve em si, mas o contexto que a torna necessária. A continuidade das más condições de trabalho, a falta de especialistas, os constrangimentos de recrutamento, um quadro orçamental que não prioriza a escola pública, o retrocesso dos direitos dos trabalhadores, conduzem a uma erosão lenta do direito à educação que até a constituição multifacetada amada por um estado corrosivo proclama como prioritário.
Numa perspetiva orientada para resultados e para a defesa do interesse público, a greve — inclusive a greve prolongada quando exaustos outros canais — é um instrumento de defesa do direito à educação. Defender greves mais longas não é um apelo à paralisação permanente, mas uma defesa do uso legítimo de uma arma coletiva, em perigo de vias de extinção, quando o Estado falha, repetidamente, na sua obrigação de garantir uma rede escolar pública e de qualidade.
A Greve Geral de 11 de dezembro de 2025 — limites, potencial e a necessidade de intensificação da luta
A Greve Geral de 11 de dezembro de 2025, apesar da sua importância política, expõe, também, os limites das paralisações de apenas 24 horas num setor cuja crise é estrutural e contínua. Uma greve desta duração tem força simbólica, demonstra descontentamento nacional e cria pressão mediática, mas, dificilmente, altera, de forma material, a correlação de forças, quando o Governo está disposto a absorver o impacto político e a esperar que a rotina escolar “volte ao normal”.
No caso da educação, este tipo de greve de curta duração é insuficiente para confrontar um Estado que, há décadas, normaliza o colapso do sistema: falta de professores, envelhecimento da classe docente, precariedade crónica, carreiras congeladas, falta de técnicos especializados, escolas degradadas, orçamentos insuficientes e dependência de professores contratados em regime rotativo. Nenhum destes problemas se resolve — ou sequer se abala — com uma suspensão de atividades de apenas um dia.
Várias organizações sindicais e grupos de base têm vindo a sublinhar que uma greve de 24 horas se torna quase uma “descarga de protesto”, facilmente absorvida pela máquina estatal e rapidamente substituída pelo regresso à normalidade. A crise, porém, não é normal. A degradação também não. Se o sistema educativo está à beira da rutura, então, a luta precisa de intensidade proporcional à gravidade do momento.
Por isso, muitos trabalhadores da educação defendem que a paralisação deveria ter sido prolongada, com possibilidade de transformar a greve geral por tempo indeterminado, coordenada e alargada entre todos os setores essenciais — educação, transportes, saúde, autarquias, comunicações, de forma a tornar impossível ao Governo continuar a ignorar as exigências dos trabalhadores.
Contudo, mesmo uma greve prolongada, por si só, pode não ser suficiente. A experiência passada demonstra que o Estado português tem uma longa tradição de esperar o desgaste, adiando respostas até que a pressão mediática diminua e os trabalhadores sejam empurrados de volta ao trabalho por razões económicas. Por isso, a luta pela escola pública exige estratégias complementares, caso o Governo ignore a paralisação. Medidas que não substituam a greve — aprofundam-na. Porque, numa conjuntura de crise prolongada, uma paralisação breve funciona como aviso; mas só a combinação de organização, persistência e unidade pode forçar o Estado a abandonar a gestão austera da escola pública.
Assim, a greve de 11 de dezembro não deve ser vista como ponto final, mas como ponto de partida para uma luta mais longa, mais consciente e mais capaz de defender não apenas os direitos laborais dos docentes, mas o direito constitucional dos alunos à educação, que só pode ser garantido numa escola pública digna, bem financiada e valorizada.
Webgrafia 
OECD — Education at a Glance 2023 (Portugal — country note). Dados sobre despesa por aluno e prioridade orçamental: gpseducation.oecd.org
OECD / TALIS 2024 / relatórios sobre condições de ensino. Informação sobre idade média dos professores e perfil etário 
DGEEC / Ministério da Educação — documentos e notas técnicas (ficheiro com síntese Portugal / Education at a Glance). Informações sobre despesa por aluno e evolução da fatia do orçamento público
INE — Estatísticas educativas e bases de dados (docentes, alunos, estabelecimentos). Séries e números oficiais sobre pessoal docente.
Ministério da Educação / DGAE — legislação e despachos sobre recrutamento docente (Decreto-Lei n.º 32-A/2023 e portarias relacionadas). Contexto legal dos concursos e recrutamento disponível no Diário da República
European Commission — Education and Training Monitor (Portugal, 2025). Relatório que identifica carências críticas em educação especial e técnicos especializados 
CNEDU / Estudos nacionais — “Educação em Números” (Pessoas2030 / CNEDU). Síntese de indicadores e evolução de alunos/ docentes. 
Sara Sousa, 12.ºC, Clube dos Jovens Repórteres
mw 1920

 


 
 
 

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